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quinta-feira, 21 de julho de 2011

UM LIVRO NA PRAÇA

O texto é de uma escritora da Bahia, achei lindo
e compartilho com vocês. Assim como a Miriam,
mandem matéria que possamos publicar.
Abraços!

Autora: Miriam de Sales Oliveira
                                                          
                  Era uma linda tarde ensolarada quando a mulher entrou na praça. As árvores exalavam perfume fresco, suave, e pássaros pipilavam pousados nos galhos mais altos. Ela desejou ser como eles, livre, leve, sempre cantando a beleza de viver. Andou um pouco e encontrou um banco; sentou-se, aliviada, pois fora tomada pelo cansaço. Cansaço de andar. Cansaço de viver. Cansaço de tudo!
                  Baixando os olhos reparou no livro. Estava ali, abandonado, um amigo que espera, talvez... Como ela mesma, que estava ali á espera do seu destino.
                  Procurou com os olhos o dono do livro; a praça estava vazia àquela hora, as pessoas nos seus afazeres, as crianças na escola. Só ela e os pássaros completavam a paisagem.
                  Atraída pela capa branca, espelhada, colorida, abriu o livro. Parecia ser um livro de mensagens.
                  A página aberta falava de mulheres, pessoas assim como ela, sempre esperando, sofrendo, mulheres sem voz nem vez, sempre a depender de alguém que lhes presenteie com a felicidade. Como estava agora, esperando pelo homem amado, pelas decisões que ele tomaria, a rédea do seu destino em mãos alheias.
                  Começou a leitura. Até parece que o capítulo fora escrito para ela, seus problemas narrados ali. Quanto mais lia, mais interessada ficava, mais criava esperanças, descortinava uma vida melhor.
                  Estava ali esperando a decisão de um homem, rei, senhor. E ele fora taxativo: ou ela abandonava a faculdade ou ele a abandonava. Queria uma mulher que cuidasse dele, criasse seus filhos, cuidasse da sua casa e ficasse feliz por ser esposa e mãe, sem opiniões, ideias ou decisões a tomar. “His master voice”, a voz do dono, como o antigo cachorrinho da propaganda da RCA.
                  Fazia muitos anos que era assim. Casou-se virgem, aos dezessete anos, pariu, criou, obedeceu, concordou, aturou as amantes dele, as viagens intempestivas, a solidão que machuca como um látego na face. Agora, queria estudar, ser alguém, ter uma vida só dela. A briga tinha sido muito feia. Só não apanhou porque o filho que saiu em sua defesa.
                  O marido telefonou, queria conversar; ela disse ao filho que iria sozinha, mas se encontrariam num lugar público, ele não se atreveria...
                  E, agora, aquele livro!
                  Lia as respostas para as suas perguntas, mostrava-lhe um caminho, ensinava-a a dizer não, tudo apenas contido numa página com algumas dezenas de palavras. Um livro não tem todas as respostas, mas tem muitas perguntas que fazem pensar. Ela não era muito lida, nem se achava inteligente, porém, entendia que certas respostas tinham que ser achadas dentro de cada um, no âmago de si mesmo. E para ser vitoriosa a pessoa tinha que desnudar-se, abandonar preconceitos e ouvir apenas a voz do seu coração.
                  Não, ela não voltaria. Não abandonaria seus sonhos. Seguiria em frente guiada pelos seus desejos. Abandonou o livro no banco, - jamais levaria algo que não fosse seu -, e caminhou resoluta em direção à liberdade.
                  Quando o marido chegou, encontrou apenas os pássaros.



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