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domingo, 10 de julho de 2011

Eu quero essa casa!

Recebi este comentário, assinado por André Luiz Knewitz, escritor talentoso, e pedi licença para publicar.


  Boa tarde, Mayra
Bem, estou ainda na página 87, seu Alt cruzou a praça e já vai lá longe embora e eu aqui, tecendo os primeiros comentários.
Primeiramente, é a Casa dos meus sonhos. Você descreveu ela com perfeição, cada detalhe, cada parede, cada tapete. Já disse para minha irmã, que é arquiteta, que minha futura casa será construida nos moldes das casas antigas, com sótao, pé direito alto e janelões com vidraças quadradas. Uma das minhas preferidas é a Villa Anna, em Campo do Tenente (cidade antes de Rio Negro). Cada vez que passo por ali paro o carro. Fico observando e sonhando. Não foi difícil achar uma foto dela na Sua Santidade Google. Aliás, existem várias fotos. Fica então o registro imobiliário deste seu colega escritor, hehe.
O que eu tenho para criticar é no modo assas formal dos diálogos. Por exemplo, pg 76, quando Joana diz "Não devemos bulir com os mortos". Não sei se Joana, descendente de índios, empregada, vem de família de professores ou de intelectuais da cidade. Mas mesmo assim essas palavras em desuso sujam a contemporaneidade do texto. "O que é isso, criatura, estamos no século 21", a Protagonista fala ainda no mercado.
E o Café da Guertrud, não sei porque, lembrou-me os aniversários da minha vó, quando ela levantava às 6 da manhã para acender o forno a lenha, colocar as roscas, o pão de laranja (Oranjabrot, escrevo como se fala) e as pizzas de sardinha para assar (não essas pizzas redondas, mas aquela de fôrma, massa grossa que parecia um pão de milho, casquinha crocante e borda queimada). Ainda tinha os canudinhos de carne moída, pastéis, sanduíche aberto, chá preto com maçã e tirinhas de limão em separado, e uma mesa com 4 ou 5 tortas (de bolacha, morango, Marta Rocha, e a torta Rosada, que uma amiga lá perto do Rio dos Sinos fazia). Um saudosismo gostoso que me veio à tona. Parei várias vezes a leitura para me lembrar. Se o objetivo das obras literárias é causar emoções, saudades foi o que "No Lado Avesso" me fez sentir.
Outra coisa que me causou estranhamento foi a relação da Protagonista com David. É frio, silencioso, mas quando ela vai viajar aparece a saudade, o "menino", a "menina". Talvez faltasse alguma ponte aí, não sei. A intimidade apareceu muito depressa nessa relação que me pareceu, de início, bem acabada.
Bem, quanto ao estilo, OPS!, quanto ao discurso, isso eu não posso opinar muito. Você sabe que eu tenho o meu (que causa muita estranheza a vc) e vc tem o seu. Agora que pude ler o conjunto da obra, percebi ser mais formal, mais requintado, com um vocabulário que eu não teria muito domínio. Me incomoda um pouco, talvez por não estar habituado, mas o suspense da história me leva adiante, me prende.Isso me faz questionar o que eu escrevo: será que eu prendo o leitor? Será que eu não confundo mais do que interesso? Um dos escritores que me identifiquei muito, que tem o discurso "diferente", foi o David Toscana. Vc deve ter lido "O Último leitor" na Oficina ano passado, eu li recentemente, e me encantei. Queria escrever como ele, com aqueles diálogos no meio do texto, sem aspas nem travessões, com situações inusitadas fora de hora e uma mescla de outros livros que o protagonista lê dentro do livro. Bem, mas chega! Já tá mais extenso que o próprio livro, hehe
Parabéns, Mayra, espero agora pelos próximos

André, Andrezinho, Grande André!

Obter seu tempo, tanto para a leitura quanto para o comentário, é privilégio dos mais marcantes. Algumas considerações: A India, mãe de Joana, que escreve o diário, como vai descobrir - ou já o fez - foi educada em um convento, ia ser freira, portanto mereceu a educação que em tais tempos era melhor num desses institutos religiosos, só perdendo para os colégios na Europa. Joana, filha dela, deve ter sido bem educada, é verossímil.
O "bulir com os mortos" também está no contexto: no interior o uso do "bulir" é bem comum, em lugar de "mexer". Não podemos esquecer que Joana já tem uma certa idade, embora não mencionada pode ser deduzida pelo tempo em que a sua mãe conviveu com Maria Pereira. OK? A temporalidade de certas falas, portanto, não se vinculam ao momento da narrativa, mas ao momento/tempo do personagem.
A relação da protagonista com David é isso mesmo, e se pensarmos que há mais desse tipo de relacionamento do que se pode perceber, também é cabível: um homem e uma mulher vivendo juntos mais para não se perderem de si mesmos do que para encontrar-se um no outro. E ela, a protagonista, vive um momento de busca, de incerteza, de depressão, tanto que menciona que David se mantém afastado como se sua doença pudesse contagiá-lo. O fato de aparecer uma nesga de atenção no tratamento carinhoso, "menino", "menina", também é coerente: as pessoas só percebem o outro na distância, na ausência. Foi com essa intenção, sem fantasiar, nem romantizar a relação, que criei esse par díspar.
Li Toscana, sem dúvida alguém para ser invejado. Mas enquanto não aprendo, vou fazendo as minhas fantasias. E se isso te fez acordar lembranças, valeu muito. Esse é, no meu entender, o mérito de qualquer texto, vanguarda ou não, fazer que o leitor encontre nele algo que ressoe na memória emocional. Sim, por que o agradar-se ou não de uma leitura não tem outro caminho que não seja o da emoção. Fora disso, não passa de firula acadêmica. Não escrevo para os grandes literatos, nunca vou conseguir chegar neles, mas para aqueles que tem a lembrança de uma avó que assava broas em fogão à lenha, fazia bolo de laranja, pizzas como já não fazemos mais, e outras tantas guloseimas, enchia a cozinha das vozes dos filhos e netos só pelo prazer de olhá-los nos olhos e receber o abraço de parabéns. Hoje, nossos cumprimentos viajam em fibra ótica, são feitos por torpedo, e-mail, ou o silêncio.
            E a casa, a da foto que me mandou, te denuncia como um saudosista irremediável. Essas casas, que parecem guardar tudo o que seus habitantes viveram lá dentro, também tenho por elas uma irresistível atração. São um convite para que tentemos adivinhar seus segredos.
Quanto aos seus textos, repito o que sempre digo quando me refiro ao seu estilo: você tira o fôlego do leitor. É preciso saber ler os seus textos, para poder usufruir o que eles oferecem. Você tem o que eu classifico como fogo mental, uma agilidade que não deixa que um leitor mais lento, mais devagar no processo de entendimento, possa apreciar a sutileza que esta presente no que escreve. Compreende? Quanto a escrever como no exemplo do David Toscana, é só uma questão de decidir-se, você sabe muito bem como fazer. Na minha opinião, você pertence aos escritores do futuro. Eu me encaixo nos do passado, e você aponta isso neste comentário. A minha sorte é que ainda há leitores que entendem mais essa linguagem "conservadora", do que haverá em breve. E viva os sobreviventes!
Fiquei tão encantada com o seu comentário que gostaria de publicá-lo no blog. Posso?
Grande abraço!




4 comentários:

  1. Ao ler o livro imaginei uma casa bem mais rústica e menor. Uma casa que atrai, mas é mais escura, mais sombria.
    Essa casa é lindíssima! Até bobo gostaria de tê-la...hehehe

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  2. (Que casão!)

    XEN-TI, vcs me deixaram com fome!

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  3. Olá Pessoal. Mandei a foto dessa casa pra Mayra pq quando eu parava em frente dela para vislumbrá-la, as pessoas paravam, as crianças nas bicicletas me olhavam, os velhos cochichavam, como se eu fosse a Protagonista do livro da Mayra. Em frente existe uma praça, como no livro, é uma cidade bem pequena, bem antiga, e já deve ter tido seus barões tempos atrás.

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  4. Nossa, essa foto é demais!!!
    Perfeita para a história!

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